Os Kayabí sempre foram muito andejos. Suas terras mais antigas, que eles têm memória, localizavam-se no grande vale formado pelos rios Raranatinga e pelo alto e médio cursos do rio Telles Pires ou São Manoel, e seus afluentes de Leste e Oeste.
Numa das suas longas migrações, os Kayabí saltaram o divisor Telles Pires-Juruena e foram se radicar no rio dos Peixes, afluente da margem direita do Arinos.
Depois de uma longa permanência naquela região, retornaram quase todos, para as suas antigas moradas no São Manoel e seus formadores. Alguns poucos aldeiamentos continuaram em águas do Arinos.
Nossos primeiros contatos com os Kayabí datam de 1949, e não foram muito fáceis. Houve muita cautela, tanto da nossa parte quanto da deles. Há vários anos vinham eles lutando com os civilizados (seringueiros principalmente), que, vindos do Sul, teimavam em se fixar nas suas terras.
A fama de cortadores de cabeça fazia parte da notícia que sobre eles havia nos arquivos do Serviço de Proteção aos Índios, em Cuiabá. Vários foram os funcionários (trabalhadores e encarregados de Posto), que tiveram as suas cabeças decepadas e levadas para a aldeia como troféus de guerra. E não era só, os dentes das suas vítimas eram arrancados pelos índios para confecção de longos colares, com os quais os homens adornavam-se por ocasião das suas danças e cantos de guerra.
Apesar de tudo, os Kayabí se tornaram nossos grandes amigos. Devemos a eles grande parte do êxito das nossas longas penetrações e atração de outros índios.
No São Manoel ou Telles Pires, logo depois de entrarmos em contato com eles, começamos a receber, indistintamente, de todos, valiosa ajuda, suprindo o nosso pobre armazém com toda natureza de recursos que a região podia oferecer, desde o peixe e a caça, até os vários produtos das suas roças. Na ocasião, em que por vários motivos, ficamos sem trabalhadores civilizados, foram os Kayabí que os substituíram na abertura dos campos de aviação e, no prosseguimento das picadas no rumo da famosa Serra do Cachimbo, naquela época dominada por índios arredios - os Kranhakôro.
Extraordinárias figuras encontramos entre os Kayabí. Jamais poderíamos esquecer de um Koá, fiel, destemido e trabalhador, assim como o incomparável rumeiro lepéporí, ou do estranho e taciturno Poretaí, ou então, Uvaifuá que, certa feita, com seus quase noventa anos, sozinho, abandonou a nossa expedição no Vale do Arinos, depois de 20 dias de marcha em densa floresta. A decisão do velho, foi tão somente porque ficou com saudade da velhinha que ficara na aldeia. Como esquecer do Pirapã, quando profundamente desolado contava, repetidas vezes, o naufrágio na cachoeira, onde o seu filhinho, violentamente arrastado pela correnteza, surgia e sumia nas águas revoltas do rio, até que foi despencar - para nunca mais ser visto, em um dos maiores degraus do salto.
A história Kayabí é a história de um povo marcado pelas circunstâncias decorrentes da contingência humana. Daí a necessidade de se compreender e justificar seus dramas e tragédias que, em última análise, é o destino de todos os povos, em todos os tempos.
Cláudio e Orlando Villas Boas
Numa das suas longas migrações, os Kayabí saltaram o divisor Telles Pires-Juruena e foram se radicar no rio dos Peixes, afluente da margem direita do Arinos.
Depois de uma longa permanência naquela região, retornaram quase todos, para as suas antigas moradas no São Manoel e seus formadores. Alguns poucos aldeiamentos continuaram em águas do Arinos.
Nossos primeiros contatos com os Kayabí datam de 1949, e não foram muito fáceis. Houve muita cautela, tanto da nossa parte quanto da deles. Há vários anos vinham eles lutando com os civilizados (seringueiros principalmente), que, vindos do Sul, teimavam em se fixar nas suas terras.
A fama de cortadores de cabeça fazia parte da notícia que sobre eles havia nos arquivos do Serviço de Proteção aos Índios, em Cuiabá. Vários foram os funcionários (trabalhadores e encarregados de Posto), que tiveram as suas cabeças decepadas e levadas para a aldeia como troféus de guerra. E não era só, os dentes das suas vítimas eram arrancados pelos índios para confecção de longos colares, com os quais os homens adornavam-se por ocasião das suas danças e cantos de guerra.
Apesar de tudo, os Kayabí se tornaram nossos grandes amigos. Devemos a eles grande parte do êxito das nossas longas penetrações e atração de outros índios.
No São Manoel ou Telles Pires, logo depois de entrarmos em contato com eles, começamos a receber, indistintamente, de todos, valiosa ajuda, suprindo o nosso pobre armazém com toda natureza de recursos que a região podia oferecer, desde o peixe e a caça, até os vários produtos das suas roças. Na ocasião, em que por vários motivos, ficamos sem trabalhadores civilizados, foram os Kayabí que os substituíram na abertura dos campos de aviação e, no prosseguimento das picadas no rumo da famosa Serra do Cachimbo, naquela época dominada por índios arredios - os Kranhakôro.
Extraordinárias figuras encontramos entre os Kayabí. Jamais poderíamos esquecer de um Koá, fiel, destemido e trabalhador, assim como o incomparável rumeiro lepéporí, ou do estranho e taciturno Poretaí, ou então, Uvaifuá que, certa feita, com seus quase noventa anos, sozinho, abandonou a nossa expedição no Vale do Arinos, depois de 20 dias de marcha em densa floresta. A decisão do velho, foi tão somente porque ficou com saudade da velhinha que ficara na aldeia. Como esquecer do Pirapã, quando profundamente desolado contava, repetidas vezes, o naufrágio na cachoeira, onde o seu filhinho, violentamente arrastado pela correnteza, surgia e sumia nas águas revoltas do rio, até que foi despencar - para nunca mais ser visto, em um dos maiores degraus do salto.
A história Kayabí é a história de um povo marcado pelas circunstâncias decorrentes da contingência humana. Daí a necessidade de se compreender e justificar seus dramas e tragédias que, em última análise, é o destino de todos os povos, em todos os tempos.
Cláudio e Orlando Villas Boas
